Quando chove como agora no Rio de Janeiro, então toda a cidade chora em um só tempo; Tempo fechado, foge o azul, no céu fito o cinzento.
Faz vento e o quando esfria, levando a calmaria.
Nesse lamento essa cidade mulher se assenhora, quieta, parada, silenciosa quando chora.
Despindo tristezas de pedra no seu corpo negro, da gávea de granito, da embarcação que ancora.
Os dois irmãos monolíticos avistam a boca do mar, carpindo as outras pedras, num estrondo repetido.
Pedra do pão, pedra do sal, pedra bonita.Rampa dos embarcados no ar das gaivotas.
Com sua firmeza escorregadia de perigo a solta, pedra feita de açúcar é almirante negro da baía.
Tem em seu peito as esquadras do porto e as chibatas da revolta, com os pés cravados na areia, lavados na espuma derramada a força cândida.
O açoite verde de mata atlântica minguante vem, e também pisa à beira, o mar.
Levitando no limo do surfe, a esgrima fina das marés e dos corpos em luta.
Trapezistas em suas tábuas de equilíbrio são canoas de pescadores, em humana ousadia.
vorazes e velozes dominadores de ondas em harmonia com o tempo das espumas.
Das costas negras marinadas, grandes corcovas rígidas, o granito Tijuca ronda.
Com a imponência e a firmeza de guerreiro solidário, em vigília maciça, atento a tudo à sua volta.
Legião de pedras, formam a grande muralha milenar em guarda.
Vidigal e Rocinha avistam tudo do alto com os seus olhos humanos.
São faróis habitados por gente simples, também ela equilibrista na coragem das encostas íngremes, tal qual a natureza de suas próprias vidas.
Em tudo chove, em todos chove enorme, caudalosa a cidade escorre.
Como mulher Marina que se pintou, é cinza agora e aborreceu a todos, trazendo seu nevoeiro parado. Chorosa, mascarada, colombina fria, nublando seu rosto de encantos e luz.
Vazia é outra, quando traz os seus olhos pintados dessa cor tão desolada em solidão.
Todos resistem desajeitados, tentando não se molhar na chuva ao ser quase Paulistas, mas não é possível, não adianta a deselegância discreta, pura intolerância tola do poeta diante dessa mágoa urbana de nuvem, de névoa.
A cidade é marinha de cais e maresia, então soluça em aguaceiro.
Promessas de sol restarão lapidadas na memória, mesmo que não cumpridas.
Pessoas e praias ficarão guardadas para o depois, pura birra da natureza.
Nessa hora aparecem os lamentos do dilúvio lavando os braços tropicais do Cristo, sempre abertos a todos que a qualquer tempo orem, pétreos de sua fé no inabalável ceu azul.
Com sua face também de pedra, ele reclama do esconderijo cumuloninbus a que é imposto, nesse calvário acanhado de cidade molhada, resguardada e vestida.
Mais que vestida, encapuzada nos casulos de guarda-chuvas, e mantos, e capas, e panos.
Escondendo o calor dos sonhos de pele, de cidade desejada e quente, na realidade do fastio da correnteza de águas exageradas.
O Corcovado é um guardião da baía de Guanabara, feia e fria agora, observador acabrunhado que a tudo vê, que a tudo nota, sente calado.
Também calada, toda a cidade em águas, numa postura combinada sem palavras, aguardando que a tristeza morra nos caminhos tortos da Niemeyer.
Onde o oceano tem raiva, e irado rebate na pérgula, gritando mágoas incontidas.
Demarcam os seus espaços, terra e agua, agua e gente, gente e pedra, desaparecendo nas teias das espumas brancas de força bruta e quente, como aguardente.
Ondas de dor arrebentando nessas pedras, que apanham pregadas como fieis penitentes, arpoados com o arpão do sal e o iodo da cura, padecentes em ebulição de fervura, torturadas pelas águas .
O mar invade tudo, lambendo o corpo nu da pedra do arpoador solitária, com sua língua branca é íntimo, deixando-a úmida.
Numa solidão confusa dos que namoram e brigam, mas não se separam nunca, a pedra é firme no caminho, enquanto o tudo é agua movente.
Tudo fica calado, fica pra outra hora, tudo se atrasa, fica engarrafado.
Para a tarde no trânsito enquanto não houver outra tarde ensolarada, de depois, do futuro, de outro dia, outra meteorologia, outro tempo, outra vida, outra verdade comum á claridade do Equador.
Como o sentimento profundo e mudo de fim de amor, quando o coração fica calado, preservando-se, porque quando acaba o amor o que resta é o silêncio, o tempo é adestrado ao silêncio triste.
A tristeza do fim de um amor é o butim da solidão.
A cidadela de festas aguarda na intimidade das suas paredes concretas em ausência. Tudo é memória, tudo é o fim, só o silêncio fala seu minuto de glória.
Resguardando as avenidas das pernas e corpos, nos chiados dos pneus e espelhos d'agua espirrados, nos barulhos de poças. Onde estarão suas moças? Onde estarão que não as vejo?
Com seus sorrisos de olhos abraçando as esquinas do sol.
Quando chove assim no Rio ele as perde, ficam raras ou poucas, cheias de botas e roupas, tecem pressa nos cabelos das escovas progressivas.
Preservadas no mofo armário dos apartamentos, reclusas dos ventos, nos velhos casacos de inverno falsos, nos escritórios de papel e máquinas.
Nas ruas os comandos apregoam as sombrinhas de dez reais, preciosas chinesas do contrabando, nas bocas dos mercadores da chuva.
Escondidas das águas seus corpos somem, com eles vão também seus trejeitos.
Esvai o fascínio feminino, tudo esta em desamparo, em desalinho.
Descompondo a paisagem natural das praias, o deserto de areia é abandono.
É o exílio temporário das morenas, do caminhar despojado das calçadas portuguesas, também essas feitas de pedras recortadas e juntas.
Devaneios, desejos e encantos são lavados, ficando cinza, tudo é griz, a cidade mingua embalsada nesse engano. O amor não se propaga e quase finda, até que venha o sol e reponha cor em cena com seu giz de luz e brilho.
Sem suas moças o Rio fica perdido, tudo fica perdido sem sua gente, o Rio tem alma fêmea, é cidade feminina. Sem elas definitivamente não vale a pena, sem elas a natureza esfria e não serena.
Mas se isto é tudo, eu não posso ir embora, chove la fora.