Guataia-1986-Ascânio MMM
Fiz um pequeno verso que não ficou bom, depois de pronto sobraram sem uso muitas palavras.
Não sei o que fazer com elas, só sei que não foram ditas. Não sei o que fazer também sem elas, fora são aflitas.
Seriam essas palavras as mais importantes, e não foram ditas. Ficaram no ocaso da coragem.
Tantas palavras ficam nos sustos da vida, nos gritos engolidos, nos desejos comovidos, quantas dessas palavras estarão no rescaldo dos amores removidos, quanto delas grudarão nas paredes caídas da despedida, nos escombros de fim da paixão.
Quantos nós guardados, quando o pensamento esta elidente à voz e a fala é só segredo sem pele.
As palavras não ditas fazem a inércia da língua mas ficam edificadas no rosto, no olhar, num gesto, na postura corporal, não desistem porque estão mudas, elas ficam , e ficam, e ficam , não vão embora, no olfato elas resistem aos muros da timidez evidente.
São intimas como o amor nos corpos, mas não foram ditas, recusam a despir-se na boca, mas dançam completamente nuas na solidão.
Fizeram-se mistério quando mais eu as queria abertas e transparentes, escolheram o sigilo por significado, palavras ocultas em suas próprias dúvidas, a se entender porque.
Quem sabe o que elas diriam se faladas? Extraídas do silêncio, arrancadas. Se gesticulassem livres, se viessem, se voassem, se vaiassem, se vivessem às claras, as palavras são a alma da língua e a tessitura da sabedoria.
Que significado teriam no fato, que afeto não desvendado, quais seus segredos, que misteriosa face de vergonha guardam no véu do acanhamento.
Porque tímidas se afastam do meu verso quando delas eu mais urgente preciso agora.
Elas sim são as de maior importância, pois guardadas calam a poesia.
Mudando sua fisionomia, escondem outro poema em interdito e sombra, que some privado de expressividade.
Qualquer verso sem elas é elisão, é impropriedade, é vazio, não é nada.
Serão elas as que dizem quietas todos os gritos, todos os afagos, toda a compreensão, sendo assim são muito mais que simples palavras, são atos não verbalizados.
Fazer um poema sem elas não faz sentido, fazer um poema sem elas o torna desprovido de razão, é vicissitude.
Sempre haverá nele um pensamento escondido, intimidado na atitude, na ausência dos restos de expressão do que não foi dito, pedaço quebrado de sentimento. Essa sentença, essa prisão, poema assim trancado eu não quero não.