Corpo verso
Já não faço poesia em nada.
A não ser nesse seu corpo inteiro,
onde as rimas percorrem estradas
e o homem viaja primeiro.
Estenda o corpo às minhas mãos amada,
Como a um alpinista, a escalar seus seios.
Não deixe ser em vão a caminhada.
Não seja o porto de chegar os receios.
Posto que o medo, ao amor proíbe,
impinge assim completa solidão,
larga essas margens tristes, vem e vive.
Ainda posso vê-la sendo livre.
A rua é sua, nua e graciosa,
em cujas curvas passo o verso e a prosa.
No ar
A notícia corre
por cabelos longos,
cujos fios tecem
edições sem fim,
em matérias plenas
de eternos instantes.
Mulher militante,
Recife carmim.
Sempre tão depressa
segue, ganha a vida,
brisa que é vivida
por um fio sim.
Barrigudos gozos
orvalham-lhe os furos
de primeira página
em todo pasquim.
Quando os novos fatos,
políticos atos
guiarem seus rumos,
a história é assim.
Digo eu depressa:
Seus pêlos, seus prumos,
noticia a todos!
Mas deixa um pra mim.
Loa
Com amor guardado na memória
um poema solto, um pensamento,
a desordem toda,
o fato, a glória,
quando pode o transparecer do tempo.
Um boêmio salta das garrafas
_como se o viver fosse o momento-
provocando insolúveis bravatas,
o poeta fere o fingimento.
Vitrina
Lembro-me agora dos teus olhos negros,
retinas sem calma, solidão em brasa.
móbiles íris, globos que em soneto
moviam silêncios, como rimas em asas.
Refléxos inconsúlteisde sentimentos,
eram apelos de dor, sutilezas e tramas.
As duas meninas em teus pensamentos,
olhavam-me homem, vagando ciganas.
Numa valsa ótica de negra dança
diziam da imagem e corpo só desejos.
Tão nua ficavas por trás das vidraças,
testando o amor com um olhar sobejo.
Agora protegida por cristal ausência,
cerraste as pálpebras em escuro degredo,
revendo à memória tão fatal presença.
Lembro-me teus olhos que eram de agua e medo.
Madrugada
A lua tarda
vendo a manhã chegar.
Pasos azuis tão cinzas,
são os restos de noite ainda.
O homem nas suas costas
como um vulto se passa.
Vai enigma porta
memória há que te conta,
pois somos pessoas postas.
Oposto ao velho, o novo se fia.
Cindindo espaço nos lábios da noite,
Um vago objeto de um beijo,
e é dia.
Feitiço
Quando me vês de mulher
é que sou um homem.
Quandome vês de homem
é que sou poeta
Quando me vês de poeta
és em mim uma mulher.
Tanguedia
La mojer morena
es como los tangos
las milongas de Gardel
tiene sus sentidos
tiene sus sonidos
a empezar por la piel.
Mientras camina es danza
pero si se pone tan lejos
que miran sus ojos distancias
indiferencias, secredos.
Triste va su camino
y llora sus proprios miedos
que a nadie va decir.
A ella no le importa nada
tiene que vivir su coerpo
conocer sus diferencias
y tener sus mitos muertos.
JEJUM DE AFETO
Jejum de afeto não deixa saudade
já tem idade pra não ser assim
sorriso falso é boca de covarde
e esses lábios não falam de mim
Abrace o mundo lá em Piedade
Espante todo o pó da zona sul
Jejum de afeto corre das verdades
se Acari te faz ficar azul
Sendo o poeta o Spot que ilumina
sai dessa esquina e vai brilhar também
Não é noturna a cor da indolência
disfarça e pensa que o viver faz bem
Se seus abraços não aquecem nada
desse olhar desponta a hipocrisia
se não souber viver da madrugada
encurta a estrada e morra ao meio dia.
As meninas
As meninas...
Não cresceram as menias
guardam-se no tempo
Longe das esquinas
como se fosse a vida
interseção de segredos
e de sinas
As meninas...
Não cresceram as meninas
_Quem sabe terá havido
um tolhimento qualquer
por baixo das barras das saias
das tradições da mulher
e as meninas...
Não cresceram as meninas
Reduzidas assim a seres
Congêneres à infantilidade
Corpos envoltos em medo
cegando à realidade
As meninas...
As meninas...
Não cresceram
As meninas...
O amor,
forte infanticida
Bandido tão perigoso
Fundindo e sangrando as vidas
explodindo em chamas
e gozo
As meninas...
Não cresceram
As meninas
condenadas servis
ao recato
evitam suas idades
evitam a própria vida
confiscam a liberdade
Às meninas...
Não cresceram
as meninas.
_Porque se guardam no tempo,
longe de si e das esquinas?
_ como serão as mulheres,
se não cresceram
as meninas?
Eva
Eva que veio nua
Argúcia de nome Lúcia
Silêncios
Não passa desapercebida
e em si traz lascivos traços
que tem a seguir seus passos
Homens que vão sem brida
Suor de uma alquimista
cadinho que faz venenos
de condimentos pequenos
Receita feita sem lista
Em alguns lugares, beijinhos
em outros tais tem carinhos
segredos de quem inventa
e não se pode contar
Depois, desregrado abraço
Calor pra inflamar pedaço
por onde passeia e brinca
Tendo então feito o feitiço
cerrando os olhos da noite
repousa o corpo, só isso
O dia pode acordar.