Almada Negreiros (1893-1970) A sesta 1939
Uma bela perdida no ar,
atravessou o meu peito.
Traçante como bala
alojou-se em minha calma,
Veloz quando veio.
Hoje estou vivo,
mas trago essa paixão fraturada.
Sequelas deixaram-me assim,
alvejado desse jeito.
No calor do sol
e no azul de Janeiro
em plena madruga
suas decisões são tomadas
na imensidão do breu
desses olhos escuros.
Precisos e inflamaveis,
os seus abraços buscam a mim,
como cordame jogado ao cais de atracação.
Mesmo assim, quando o amor é rarefeito.
Enquanto ele existir haverá perdão.
Não a esperava a passos radiantes,
com esses lábios bélicos,
tão capazes de tirar a paz.
Nova agitação que aflora,
rápida e sem apuros mesmo,
sem qualquer preocupação a mais.
Aqui onde o pouco é o tudo,
os nossos gestos vazam,
somos dois amantes imperfeitos.
Pois é onde estamos, assim
e ademais, cedidos.
Cedidos como o mar e a praia,
lançados um ao outro.
Há nessa nudez de supernova,
a pura natureza explosiva.
é o seu corpo nu, negro,
celeste, que brilha.
Agora esse corpo è doce,
é a madura estrela
esquecida sobre os meus braços,
queimando as últimas chamas.
Eu sigo atingido em cheio
nessa linha de fogo
pelo calibre curto
desse olhar delicado.
tiro único,
rápido e certeiro,
na pontaria dessa emboscada
que é o desejo.
.