Então formou se a roda para os lados da praça de lá.
E ela se sentou ao centro , e de pronto começou a falar . Falava com uma voz calma, mas com a firmeza no ar. De modo que suas palavras chegavam toda aos ouvidos desse lugar.
Como a calma é uma forma de mostrar veracidade, aí ela falou sobre um caso havido, com um especial paladar.
Como as palavras bem ditas salivam os ouvidos muito, a sua estória bonita foi puxando mais o assunto.
Quando o assunto era sério, todos ficavam sérios, sendo o assunto difícil, faziam expressão de mistério. De repente, quando ficou perigoso, a estória em seu gozo, ganhou ares de precaução e todos se olhavam atentos.
Num certo momento dado o fato foi engraçado, então todos se relaxaram e se fartaram de tanto gargalhar.
De uma hora para outra a moça se enterneceu, ao notarem todos pararam de súbito, como quem brinca de estátua. Alguém até notou que uma gotinha de lágrima desceu do seu olhar, e solta foi se espalhando no olhar do outro, do outro, doutro e do outro ao lado.
A praça inteirinha foi se consternando em uma forte emoção, não em lástima, mas em compaixão.
É que contar uma história não é nada fácil, requer da pessoa que o faz, como árdua tarefa, muita, mas muita competência no trabalho de saber como tocar as pessoas, como emocionar.
A moça fez direitinho, com tamanha forma e carinho, que até quem estava passando quis também participar.
Assim foi juntando gente, mais gente, e mais, e mais .
A história ficou famosa a medida que foi conhecida, como os casos nos jornais.
A moça então contou para todos daquela cidade, como o caso tinha crescido e se enchido de alegria.
Sendo a alegria uma forma, no caso, contagiante, a praça da moça do caso se encheu de felicidade.
Enquanto o caso crescia dessa forma galopante, a moça do caso da praça foi contando o caso gigante.
E o caso ficou de tamanho tal, que todos daquela praça puseram nele uma parte, e assim ele foi crescendo.
Depois dele bem encorpado, como muitas outras palavras, até umas bem mais raras, o caso virou mais que um assunto. Se achando nele beleza, todos falavam juntos aquilo como certeza.
Por achar isso, um foi contando para o outro como se havia passado, sendo que ao fazê-lo, ia acrescentando um bocado, para que não restasse dúvida, e assim foi se espichando em mais gente.
O caso ia para um lado, depois para o outro lado,dependendo muito da forma como ele era contado.
A moça então notou que seu caso tinha aumentado, alem de ter nesse caso ganhado imaginação. Ela achou aquilo bem bom para a sua contação.
Pois agora não era mais caso de conto seu, era sim um relato maior até que a imaginação.
Era um fato oral, do tamanho popular, do tamanho da Nação. Sem ler, o analfabeto sabia todo ele de cor, já fazia parte de si.
Como era na filosofia, a praça virou escola e o caso ganhou mais nome, ficou sendo assim, uma ideia.
A moça se foi embora, agora, o caso famoso, virou jeito de pensar.
Como havia muita gente na praça, e gente é diferente, de acordo com o lugar em que cada grupo é sentado, o caso mudou de lado e virou então discórdia.
Para explicar o ocorrido na confusão que acontecia, deram ao caso um nome que ele mesmo não pedia. Passaram a chama-lo pela alcunha de ideologia.
A ser tudo de verdade, os vencedores do certo puseram no caso um H, de forma assim, bem maiúscula.
A história mudou de boca, passeou de mãos em mãos, foi se alisando o relato até se formar em razão.
Eu juro que que nunca minto, como se deu de fato, entrou na boca do pinto, saiu na outra do pato.
Quem quiser que conte cinco, quem quizer que conte quatro.
...