Serigrafia: João Sena (7 contos tradicionais)
Quarta feira é um dia de paz e tranquilidade, é dia de de jogo, na semana de qualquer cidadão desses que existem. Precisam todos da quarta feira, para respirar mais meia semana de vida ainda a vir pela frente.
É o dia do guerreiro.Noite da cerveja ou do chopinho, noite dos amigos do futebol, noite das notas do cavaquinho, no samba depois do sol, noite do habias-corpus das namoradas, esposas, concubinas, estabilizadas, amadas de toda a ordem; Noite dos homens de rua.
Assim é que a vida segue para quem nela se situa.
Quirino, depois do expediente, já não jogava mais a pelada do Umuarama das quartas,. Mas gostava de frequenta-la por filosofia de vida, pela cervejada com os amigos, pela sauna imbatível e principalmente pela lei da quarta feira. Lei essa que não podia ser desrespeitada, para não perder seus direitos adquiridos por jurisprudência.
Nessa semana convidara o amigo Salieri Junior para acompanhá-lo ao clube, onde pretendia encontrar os amigos do futebol e fazer a sauninha de sempre, fundamental ao preparo do corpo para o segundo tempo de luta da semana.
Depois de um engarrafamento tradicional no jardim Botânico, sobem a Marquês de São Vicente e nas portas de fundos da Rocinha, encravado nas alturas, chegam ao Umuarama. O clube estava às escuras e nenhum sinal de movimento se via , alguma coisa havia de estranho naquela noite. Peralta não estava na portaria como de costume, e até já havia se recolhido á birosca de dona Socorro, certo de que era também sua a folga nessa quarta.
Embora já tivesse calibrado as idéias com umas goladas de soluço da cobra, cana de garrafão vinda diretamente "da roça" de Cantagalo. Ao ver de longe os faróis se aproximando desce a ladeira às pressas, para atender ao suposto desinformado que, supunha ele, não sabia da obra nas dependências da casa.
_Boa noite seu Quirino!
_Boa noite Peralta!
_Ô seu Quirino, hoje não tem futebol não, por causa da obra na sauna!
_ O Dr. Ney não falou com o Senhor não?
_Não Peralta ele deve ter esquecido.
_Pegamos um engarrafamento enorme para chegar aqui e esta tudo fechado, mas tudo bem!
Quirino já fazia o contorno na ladeira para voltar, quando Salieri Junior, de supetão, teve uma idéia que a princípio parecia bastante razoável.
_ Quirino! Eu sei de um lugar onde meu pai fazia sauna antigamente, quem sabe se ainda funciona? Podemos ir até lá tentar?
_onde fica Salieri?
_Eu não conheço nenhum lugar a não ser os clubes, seria o Paissandu ? Lá não é Leblon?
_vamos lá, eu sei que fica no Leblon!
Descem a Marquês de São Vicente, Jardim Botânico, Rumam para o Leblon em busca da quarta feira.
Estacinamento cheio, flanelinha a postos, tudo parece se encaminhar para o objetivo final tranquilo.
Sem muita preocupação, e também sem observar o local, os amigos adentram ao recinto.
Na entrada um balcão simples, com uma iluminação baixa, onde um senhor de meia idade, com discrição habitual dos porteiros, entrega um par de chaves de armário, sem nenhum comentário ou orientação sobre o reduto.
Era um vestiário comum a qualquer clube, com bancos longos e armários numerados nas paredes, onde eles começam a procurar os números correspondentes às suas chaves, sem nenhuma preocupação. De fato distraídos.
Comentando sobre a partida de mais tarde, entre Botafogo e Flamengo, a ser transmitida naquela noite por cabo. Sem dúvidas merecia uma aposta em cervejas à altura do evento esportivo.
Despidos, já vestem os roupões brancos e se encaminham distraidamente para um grande salão, onde em um bar de canto, a frente, um pequeno grupo de homens bebem sem muito alarde.
À esquerda três potentes chuveiros em boxes abertos são usados por jovens, que supostamentes saiam da sauna seca logo ao lado.
À direita desse amplo salão havia um grupo de cadeiras, espreguiçadeiras longas e pequenas mesas ao lado de cada uma delas. Também algumas, ocupadas por senhores em silêncio de repouso.
Ao lado direito, próximo ao corredor de entrada, uma escada caracol dava acesso ao segundo pavimento, onde, segundo um atendente nordestino meio sonolento informara a Salieri, estavam as dependências de sauna a vapor e outros cômodos.
O misto de atendente, garçom e faz tudo, era um magrelo baixinho com fisionomia de nordestino.
Ele atende, sem muita pressa, enquanto organiza um monte de toalhas usadas em um armário, ao pedido de Quirino de um aparelho de barbear para seu uso, e sabonete para o banho e a sauna.
No meio desse grande salão havia uma mesa redonda, rodeada de cinco cadeiras onde rapazes jogavam cartas também no silêncio, sem despertar nenhuma suspeita, enquanto conversavam em voz baixa, provavelmente sobre o jogo.
Quirino e seu amigo se dirigem aos chuveiros para uma ducha, apos isso encaminham-se ao bar para o primeiro pedido de abertura dos trabalhos: Uma gelada para tirar a zoeira do dia, esquecer os engarrafamentos, e matar a sede do espírito.
O garçom, em si mesmo ocupado, abre a cerveja e entrega aos amigos, que se servem e procuram as cadeiras de repouso para saboreá-las, com a garantia dos direitos naturais e inapeláveis das quartas feiras.
Companheiros, cerveja vai, cerveja vem, cerveja vai, cerveja vem, cerveja via, cerveja ia, cervejaria não via, cerveja iguaria, cerveja não sabia, cerveja é alegria, cerveja já não cabia, pausa inevitável para o banheiro.
Sauna, eucalipto, Flamengo, Botafogo, zagueiros, barba feita, ducha, impedimento mal marcado, e um certo mistério no ar que se respira.
Cervejas um pouco mais, hora de começar a pensar em um local adequado para assistir a contenda.
Ainda tendo dois quartos de hora para isso, Quirino resolve então fazer um banho turco, e convoca o velho amigo para acompanhá-lo no andar superior para a sala a vapor ali localizada segundo as informações.
Quirino sobe as escadas caracol bem lentamente, ao chegar ao segundo pavimento, vê um conjunto de três pequenas salas com iluminação vermelha e baixa, onde podiam ser notadas outras cadeiras de repouso ladeadas por pequenas macas no canto de cada uma delas, todas vazias.
A princípio não é possível identificar o tipo de uso que se pode dar a tais salas tão escuras e inóspitas, a princípio é claro!
Para que serviriam? Pensa Quirino consigo mesmo.
_Que estranho!
Apos as salas uma ducha e a porta que conduz enfim à sauna a vapor que procuravam.
Muito ampla e funcionando com perfeição, tem vapor suficiente para não se ver os presentes, por conta da grande quantidade que era liberada nos pontos abaixo das arquibancadas, feitas de concreto e com ladrilhos brancos, onde um tempo depois de entrarem puderam notar um senhor sentado em um dos cantos superiores, embrulhado em uma toalha branca.
Era um homem de idade relativamente avançada, muito gordo, e de cabelos fartos e esbranquiçados ainda mais que o normal, pelo branco vapor enfumaçado que o escondia.
_ Boa noite!
_Boa noite!
Cumprimentos que têm vários objetivos, de acordo com o local : Marcar a chegada educadamente, observar com a sonoridade, onde possam estar os presentes e também iniciar uma conversa com a importância das reuniões entre amigos no calor das saunas em qualquer lugar que elas existam. Na pauta: Piadas, brigas provenientes do racha anterior, quando houver um, políticas públicas, falar dos ausentes em geral, mulheres bonitas e gostosas, mulheres não tão bonitas, mas gostosas, mulheres dos amigos e gostosas, mulheres que são feias mas gostosas, mulheres que para alguns são gostosas, mulheres indiscutíveis de gostosas, mulheres que você comeu que são gostosas, mulheres que você não comeu que são gostosas, mulheres que você gostaria de comer e são gostosas, mulheres que querem te comer e por isso são gostosas, mulheres que você não comeria mas são gostosas, mulheres gostosas que você não pode comer por estar em posição de impedimento, mas são gostosas, situações gostosas com as mulheres gostosas em momentos gostosos, qualquer tipo de conversa, desde que seja gostosa, e aquele gol discutivel aos 48 minutos do segundo tempo, claramente um erro grosseiro do juiz que apitava de forma tendenciosa, é claro!
Assim sendo, cabia o início fiado do papo com o presente que estava postado como um Buda fumegante ao fundo da fumaça, quase imóvel. Mas o silêncio era gritante.
Nesse momento entra no ambiente de forma rápida como tem que ser para que o calor não se perca com o ar frio externo, um jovem rapaz de porte atlético, largas espáduas, marcadas por evidente consumo de anabolizantes e esteróides secretos, que são conhecidos dos praticantes das esquisitices fisiculturistas populares um pouco distantes do atletismo. Senta-se ao lado de Buda como quem já o conheça e observa ao Quirino e seu amigo, esses são novos na casa.
Nota tratar-se de pessoas desconhecidas do local, mas mesmo assim, é de pouca fala e fica calado.
Como quem quer puxar um assunto, Quirino, que não obtivera com sua conversa nenhum sucesso com o grande Buda, faz a mais ingênua pergunta ao jovem; Com a curiosidade de uma criança, pergunta:
Para que servem aquelas salas iluminadas de vermelho que havia visto na entrada, próximo à escada caracol?
Pergunta que causa um certo desdém professoral ao jovem, que de forma clara e objetiva responde:
Aquilo é local para foder meu caro, Você está em uma sauna guey, ainda não percebeu o ambiente?
Cinco segundos patéticos ocorrem, silêncio, e Quirino não consegue segurar uma larga e estrondosa gargalhada, que é ouvida até na calçada do estacionamento em frente à casa.
Nessa crise de risos ininterupta, olha para o amigo Salieri que assustado com a informação ouvida, se desespera em um estado de nervos tão grave quanto a sua própria necessidade de ir embora dali, como se sua masculinidade e sua sexualidade, tivessem sofrido o abalo irreparável de um terremoto.
Salieri desesperava-se a olhos e corpos nus. O que?????
Diante do espanto da cena, Buda que até o momento mantivera-se como um monumento estático de pedra pronuncia a frase mais Confuciana que poderia ocorrer naquele momento:
_ O que é que tem de mais meus amigos?
_ Qual o problema?
_ Fiquem tranquilos, aqui isso não tem nada de mais!
Mas para Salieri tinha tudo, e demais na conta, depunha contra a fama de sua masculinidade, e de seu próprio pai, já senil e aposentado.
_Ra rararararararararararara!!!!!!!
Quirino não segurava o riso, não conseguia o fazer diante da resposta, inusitada para ele, Raarararararar!
_Calma, falava buda com a fleuma de um monge homossexual em seu templo de culto e meditação, aos dois incautos, novos possíveis dicípulos.
Estes por sua vez tinham atitudes díspares diante do equívoco de estarem naquela situação disparatada para ambos.
Enquanto Quirino não conseguia parar de rir em nenhum momento, Salieri se asustara tanto, que esforçava para estar longe daquele lugar, o mais rápido que pudessem, num estado de nervos que poucas vezes seu amigo o havia visto.
Desceram as escadas com velocidade, diante do olhar de uma platéia de homens que não acreditavam no que estavam assistindo.
Era, sobretudo uma comédia.
_ E se alguem reconhecer o meu carro aqui na porta? Dizia Salieri desconsertado com a situação.
_ Rarararararararara !!! Os risos ininterruptos de Quirino.
_ Calma meu rapaz, você esta numa casa de amigos, pode ficar tranquilinho, dizia Buda, enquanto junto com seu amigo informante, também descia as escadas. O que mais ainda provocava os nervos de um rigoroso e aterrorizado Salieri, se contrapondo às inevitáveis gargalhadas de Quirino.
Esse de fato ainda não tinha percebido a gravidade do momento e do local, não tinha a menor pressa em correr por isso.
Nada de banho, nada de papo, rapidêz para evadir do local e não deixar nenhuma marca de sua presença em evidência, vamos, vamos, vamos rápido sair daqui.
_ Vambora, vambora, vambora daqui rápido e agora!
_ Ahhhhhhhhhhhhh! Calma, repetia Buda. Rararararararararar!!!! Gargalhava Quirino.
_ O que é que tem bobo! Não tem nada de mais aqui! Pode ficar calmo.
Entram no vestiário onde agora outros jovens chegavam e não entendiam a confusão. Todos ohavam atônitos para a bagunça criada, para aquela confusão.
Quirino vestia-se devagar pois não conseguia parar de rir, Salieri vestia-se com a pressa de um corredor dos 100 metros rasos, tamanha era a sua urgência de ir embora. Isso já era hilário.
Salieri pagava já a conta sem questionamento e sem querer o troco, enquanto Quirino ainda rindo, calçava as meias e os sapatos, sentado num banco diante do espanto geral da plateia.
Nada de cartão meu amigo, vou pagar é no dinheiro, mas seja breve nos cálculos por favor, tenho que sair daqui o mais rápido que poder, minha vinda foi um engano, um lamentável engano.
Vamos embora Quirino, eu já paguei a conta, vamos sair daqui.
Perdi a vontade de ver esse jogo, eu vou para casa.
_Rararararararararararararar...
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